A virada na sustentabilidade

O ano ficará marcado pelos impactos da pandemia. E essa não será a única marca de 2020. Os diversos acontecimentos forçarão um aumento no protagonismo da comunidade científica nos debates, o que irá melhorar a qualidade das informações e da compreensão de causas e consequências que afligem a humanidade.

No início dos anos 2000, a World Future Society concluiu que a massa de conhecimento disponível no mundo dobrava a cada dois anos, consequência da elevada produção de estudos, tecnologias, descobertas etc. Previram também que a produção de conhecimento nos 20 anos seguintes (até 2020) seria suficiente para causar 90% das mudanças incorporadas pela sociedade ao longo de 40 anos.

O excesso de informações disponíveis – e divulgadas instantaneamente – supera a capacidade analítica do conhecimento, de forma embasada e aprofundada. Assim como qualquer exemplo de conquista experimentada pela humanidade, a revolução da informação traz pontos positivos e negativos. É preciso aprender a lidar com os negativos.

No caso do tema sustentabilidade, essa dificuldade provocou impactos negativos que ainda não estão claros, mas lentamente se tornam evidentes. A ansiedade da sociedade, a luta pela audiência entre os veículos de comunicação e o surgimento de canais de comunicação viabilizando o protagonismo de influenciadores despreparados provocaram um atropelamento do método de construção científica. E, mais uma vez, da mesma forma que foi experimentada em todas as inovações tecnológicas anteriores – da invenção da roda à manipulação do átomo –, oportunistas surfaram usando inadequadamente a capacidade de produção de conhecimento.

Seja em busca de holofotes ou de riquezas, apresentaram-se como detentores do saber, desqualificando quem ousasse aprimorar o conhecimento pelo método consolidado que possibilitou à humanidade chegar aonde chegou: experimentação, demonstração, explicação, repetição etc. Os especialistas da área, marginalizados do debate, corriam riscos de ser tachados de negacionistas por contestarem sugestões a partir de conhecimentos gerados pela ciência de décadas atrás: estrutura do rebanho, fisiologia das plantas, edafologia, bioquímica do solo, nutrição animal, antropologia, microeconomia etc.

A desaceleração da rotina, imposta pela pandemia, parece ter dado tempo à reflexão. A comunidade científica especializada em agropecuária deu-se conta de que, de uma hora para outra, pesquisadores especializados em clima, modelagem, botânica, geografia etc passaram a assinar estudos e apresentar soluções para temas relacionados a sistemas de produção, manejo de rebanho, monitoramento de propriedades e políticas relacionadas à produção. Trata-se de um erro, cujos custos serão cobrados da sociedade, como acontece agora.

Exemplos como os incêndios no Pantanal e o aumento da informalidade no mercado de carne bovina, mesmo com o cenário das exportações em níveis extremamente favoráveis, comprovam que a implementação de soluções não pode subestimar a complexidade do que ocorre no campo.

A boa notícia é que a comunidade científica, produtores, empresas de insumos e agroindústrias, por meio de suas associações ou de forma independente, perceberam que não basta se conscientizar sobre a importância da sustentabilidade. É preciso assumir a liderança do processo, mantendo nas mesas de discussões apenas aqueles realmente interessados em soluções. O tema não pode ser conduzido por egos e interesses de oportunistas.

Autor: Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária